quinta-feira, 7 de julho de 2011

A educação na Constituição do Estado do Ceará de 1989

      Se a Constituição Federal de 1988 é extensa como nenhuma outra que a antecedeu, a Constituição Estadual de 1989 extrapola quaisquer expectativas. São 44 dispositivos com extraordinário nível de detalhamento: 18 longos artigos no capítulo da educação (CE 1989, Art. 215 a 232) e 26 outros em diferentes partes do texto8.
      Com tal quantidade de artigos, a Constituição Estadual de 1989 acaba por ser pródiga em casuísmos e promessas. Coerente com o momento político do país, reflete em muitas de suas passagens a presença de corporações profissionais, cujo poder organizativo acaba por lograr êxito em fazer valer direitos que não seriam efetivados em momento posterior.
      A presença do espírito da Constituição Federal de 1988 sobre o texto de 1989 é inegável. Nove de seus artigos são incorporados, no todo ou em parte, ao capítulo da educação (CF 1988, Art. 205 a 211, 213 e 214 e CE 1989, Art. 215, 217, 218, 219, 221, 227, 230 e 231). Assim, há um tratamento comum relativo ao direito à educação, a boa parte dos princípios, deveres e orientações gerais sobre o sistema de ensino. Também há uma sintonia no entendimento de temas passíveis de controvérsia, a exemplo do ensino religioso e da abertura à transferência de recursos públicos à iniciativa privada.
      Uma análise mais detida de todas as passagens relativas à educação permite notar que a aproximação entre as duas cartas está presente no capítulo específico da matéria, mas não nos demais trechos da Constituição Estadual, onde a criatividade se revela em plenitude. Vale observar ainda que determinados conteúdos do texto federal muitas vezes estão dispersos entre partes que não necessariamente expressam a mesma organicidade do texto original. Noutras palavras, o texto estadual faz uma colcha de retalhos de idéias que na Carta Magna do país possuem coerência interna e traduzem um processo de discussão que foi sendo depurado ao longo dos debates da Constituinte.
Enquanto no texto federal há um artigo explícito sobre a educação como “direito de todos e dever do Estado” (CF 1988, Art. 205), na carta estadual esta noção está dispersa. O “direito de todos” é mencionado no início da Constituição no título dedicado à participação popular e aparece associado ao “ensino de 1° e 2° graus9” (CE 1989, Art. 10), expressão sequer usada na Constituição de 1988. Não há no texto referência explícita ao dever do Estado, embora exista um dispositivo que traduz uma concepção de educação, assim como inúmeras atribuições delegadas ao Estado neste campo. Diz-se que “A educação, baseada nos princípios democráticos, na liberdade de expressão, na sociedade livre e participativa, no respeito aos direitos humanos, é um dos agentes do desenvolvimento, visando à plena realização da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (CE 1989, Art. 215).
      Quase todos os princípios da Carta de 1988 aparecem nesse mesmo artigo, sob a forma de “diretrizes básicas” (CF 1988, Art. 206, I, III, IV, V, VI, VII e CE 1989, Art. 215, I a VI), às quais são acrescentadas uma série de outras da lavra dos constituintes estaduais (CE 1989, Art. 215, VII a XII). Aqui, cabe um destaque à proposta de um conjunto de penduricalhos a serem inseridos no currículo – desde ‘noções de diretos humanos, defesa civil, regras de trânsito, sexologia até a inclusão de matérias sobre cooperativismo e associativismo no currículo das escolas de 1° e 2° graus, assim como disciplinas propriamente ditas, como OSPB10, História, Geografia, Educação Artística (CE 1989, Art. 215, § 1° a 3°).
      A Constituição Federal focaliza o dever do Estado em um artigo que contém sete incisos e três parágrafos (CF 1988, Art. 208). Na Constituição Estadual os dispositivos sobre a matéria duplicam. São dezoito incisos e quatro parágrafos (CE 1989, Art. 218). Percebe-se através desse exemplo o quanto a Carta de 1989 é pródiga em comprometer o Poder Público com iniciativas que geram despesas não previstas pelos legisladores.
O financiamento da educação é tratado nos mesmos termos da Constituição Federal, definindo-se a vinculação de recursos “em montante nunca inferior a vinte e cinco por cento da arrecadação” (CF 1988, Art. 212 e CE 1989, Art. 216). Desse total, é prevista destinação específica às universidades, através de aplicação mensal de nunca menos de um quinto do Orçamento da educação “em despesas de capital do ensino superior público do Estado do Ceará’ (CE 1989, Art. 224). A questão dos recursos aparece ainda na determinação de que o Poder Público assegure “ensino público e gratuito a todos, através de programas sociais devidamente orçados, vedado o uso de salário-educação” (CE 1989, Art. 218, XVII). Sobre o assunto cabe ainda lembrar que prevê-se a destinação de recursos públicos ao setor privado nos mesmos termos da Constituição Federal, como é possível verificar no artigo que trata do assunto (CE 1989, Art. 231)
O texto estabelece orientações para o sistema estadual de ensino (CE 1989, Art. 217 e 218), prevendo assistência técnica e financeira do Estado aos municípios (CE 1989, Art. 217 e 227 § 1°). Aos municípios, conforme já determinado na Constituição de 1988, cabe responsabilizar-se “prioritariamente, pelo ensino fundamental, devendo manter e/ou expandir o atendimento às crianças de zero a seis anos” (CE 1989, Art. 227). Ao Poder Público Estadual cabe a responsabilidade “pela manutenção e expansão do ensino médio, público e gratuito” devendo este adotar “providências para sua progressiva universalização” (CE 1989, Art. 228, § 1°).
A Constituição de 1989 antecipa dois importantes temas do debate sobre educação nos anos subseqüentes à sua promulgação – a eleição de diretores e a municipalização do ensino (CE 1989, Art. 220 e 232). Em ambos os casos prevê-se posterior regulamentação através de legislação específica, o que, de fato, ocorre.
Importantes temas do texto de 1989 são ainda: o ensino superior, destacado em 6 artigos (CE 1989, Art. 219, 221 a 225, 231, § 2° e 7°), a educação das pessoas portadoras de deficiências (CE 1989, Art. 229) e o magistério (CE 1989, Art. 154, XV, Art. 226). O texto também chama atenção por outras particularidades. Para citar algumas, vale mencionar os dispositivos sobre: escolas rurais (CE 1989, Art. 231, § 6°), escolas técnicas agrícolas (CE 1989, Art. 231, § 8°), escolas preparatórias profissionalizantes (CE 1989, Art. 218, § 4°), classes de alfabetização (CE 1989, Art. 218, § 2°), sistema de ensino de tempo integral (CE 1989, Art. 227, § 3°), educação não diferenciada para ambos os sexos (CE 1989, Art. 276), implantação do setor Mulher e Educação na estrutura organizacional da SEDUC (CE 1989, Art. 276, § 2°), política educacional, currículos e calendários escolares incluídos na política agrícola do Estado (CE 1989, Art. 317, 3), Escola Técnica Estadual de Itapipoca (CE 1989, ADCT, Art. 33).
      Esses são apenas alguns entre os muitos conteúdos sobre os quais a educação se destaca na Constituição Estadual de 1989. O inventário, com efeito, é amplo. Fica como tema para posterior aprofundamento investigar em que medida tantas promessas vieram, ou não, a ser efetivadas.

9 Embora a Constituição Federal de 1988 já adotasse a nova designação de Ensino Fundamental e Médio, a Carta Estadual conservou a nomenclatura da Constituição de 1967.
10 Organização Social e Política Brasileira.


Documentos de política educacional no Ceará: império e República/Organização: Sofia Lerche Vieira e Isabel Maria Sabino de Farias; colaboração: Delane Lima Nogueira...[et al.]. – Brasília; Instituto nacional de Estudos e pesquisas Educacionais AnísioTeixeira, 2006.

A educação na Constituição do Estado do Ceará de 1967

      A Constituição Estadual de 1967 não acrescenta diferenças substantivas ao texto federal. De uma maneira geral tende a repetir seus artigos com variações ínfimas. Dela são incorporados todos os princípios, assim como dispositivos diversos, alguns dos quais cabe mencionar: a liberdade de ensino, com a abertura à concessão de “amparo técnico e financeiro às instituições educativas, inclusive com a distribuição de bolsas de estudo, na forma da lei” (CF 1967, Art. 176, § 2° e CE 1967, Art. 135, I) . Também merece registro a admissão de acumulação de cargos que inclui várias aberturas a professores (CF 1967, Art. 99 e CE 1967, Art. 91).
      Ressalte-se que quanto à idéia de educação como “direito de todos”, a Constituição Estadual de 1967 está mais próxima do texto de 1946 que da Constituição Federal de 1967 (CF 1946, Art. 166, CF 1967, Art. 176 e CE 1967, Art. 134). Não há aqui referência à educação como um “dever do Estado”, o que não deixa de ser um registro digno de nota, na medida em que justamente nesta matéria o texto estadual parece projetar-se para além da Constituição Federal. Este é o caso do subsídio ao ensino privado, cujo avanço pode ser detectado na explicitação em trecho sobre o assunto: “Os estabelecimentos particulares de ensino que forem subvencionados pelo Estado deverão proporcionar ensino gratuito a estudantes pobres, em número e pela forma determinados em lei” (CE 1967, Art. 140). Ao que parece, esta é a abertura que faltava ao setor privado para avançar ainda mais em matéria controversa como a concessão de bolsas de estudos às escolas particulares. Tal prática representaria importante mecanismo de clientelismo político em que o Estado se omitiria do dever da oferta, delegando ao setor particular uma oferta de má qualidade.
      Adotando os mesmos princípios “estabelecidos no Título IV da Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional” a Constituição Estadual define outros que lhe são peculiares. O exame dos dispositivos sobre a matéria revela três aspectos inovadores, quais são sejam: a idéia de distribuição dos investimentos em educação “segundo critério geográfico das regiões educacionais, e de acordo com a sua densidade demográfica”; a adoção de “critério de proporcionalidade quanto aos diversos graus de ensino na prioridade seguinte: primário, médio e superior” nas despesas orçamentárias com educação; e, a vinculação das “dotações destinadas a auxiliar entidades educacionais”, reservando-se obrigatoriamente trinta por cento “ao ensino técnico-profissional e vinte por cento ao ensino normal” (CE 1967, Art. 135, II, III e IV, respectivamente).
Algumas outras especificidades da Constituição Estadual de 1967 são: a estabilidade de funcionários concursados após dois anos (CE 1967, Art. 92), assim como a remoção de professores primários, salvo por promoção e “a pedido ou por conveniência do serviço, mediante proposta do Conselho Estadual de Educação” (CE 1967, Art. 139). Para finalizar, cabe mencionar ainda um último detalhe, referente ao papel do Estado na promoção da cultura. A orientação geral é semelhante à da Constituição Federal que, define o “amparo à cultura” como um dever do Estado (CF 1967, Art. 180). Inova, porém, a carta estadual ao definir que o Estado auxiliaria “os cientistas, os inventores, os escritores, os artistas e os pesquisadores na efetivação de empreendimentos de interesse coletivo, e, anualmente, através da Secretaria de Estado competente” concederia “prêmios a trabalhos científicos, literários, artísticos e de pesquisas, classificados em concursos” a serem promovidos “diretamente ou em colaboração com outras entidades” (CE 1967, Art. 137). Se tal dispositivo viesse a ser efetivado, representaria uma verdadeira festa para a intelectualidade. Como de outras vezes, contudo, a vontade do legislador não veio a ser posta em prática.
      A análise da Constituição Estadual de 1967 revela que esta guarda muitas semelhanças com a Constituição Federal do mesmo ano, apresentando poucos elementos originais. Nesse sentido, se não traz avanços significativos, também não se pode afirmar que registre retrocessos, como seria de se esperar de um texto concebido durante a vigência da ditadura.

Documentos de política educacional no Ceará: império e República/Organização: Sofia Lerche Vieira e Isabel Maria Sabino de Farias; colaboração: Delane Lima Nogueira...[et al.]. – Brasília; Instituto nacional de Estudos e pesquisas Educacionais AnísioTeixeira, 2006.

A educação na Constituição do Estado do Ceará de 1947

      A Constituição Estadual de 1947 toma o texto nacional de 1946 como inspiração, dele incorporando muitos artigos. Semelhante tendência pode ser detectada nas constituições estaduais de 1935 e 1945, onde grande parte das orientações é idêntica. Exemplos nesse sentido são os dispositivos sobre direito à educação (CE 1947, Art. 144), atribuições do Estado e dos Municípios, liberdade à iniciativa particular (CE 1947, Art. 167) e ensino religioso (CE 1947, Art. 168, V).
      Existem, contudo, algumas diferenças substantivas entre as duas constituições. A afirmação da gratuidade, princípio importante da Constituição de 1946, não aparece na Constituição Estadual de 1947. O texto estabelece apenas que “o ensino primário é obrigatório” (CE 1947, Art. 149), cabendo ao Estado e aos Municípios “a todos proporcionar os meios de adquirirem gratuitamente instrução primária e profissional (CE 1947, Art. 148). É de se supor que entre esses meios, esteja a oferta de “ensino gratuito a estudantes provadamente pobres em estabelecimentos particulares que forem subvencionados pelo Estado” (CE 1947, Parágrafo Único). Ou seja, em lugar da oferta pública para todos, concede-se aos pobres a possibilidade de um acesso através da iniciativa particular. Assim esclarece o artigo que trata do papel do Estado na oferta de educação:

            “O Estado instituirá pelos órgãos competentes e pelo Conselho Técnico de Educação, o seu sistema   educativo, mantendo estabelecimentos oficiais e subvencionando os particulares de ensino primário, secundário, normal, normal-rural, profissional e superior, dentro das diretrizes gerais do plano de educação nacional” (CE 1947, Art. 147)

      Como se vê, o texto constitucional cearense referenda o subsídio estatal ao setor privado, antecipando de certa forma determinação que vai se configurar com maior clareza apenas no texto da LDB de 1961. Ainda a respeito de subvenções, cabe lembrar a previsão de não cobrança de “taxas e emolumentos aos estudantes provadamente pobres dos cursos normal, secundário e superior dos estabelecimentos de ensino oficiais ou oficializados” (CE 1947, Art. 156). Para os estudantes de maior destaque, são previstos, inclusive prêmios e bolsas de estudos (CE 1947, Art. 156, Parágrafo Único).
      As diferenças entre as duas constituições não se limitam ao tema da subvenção ao ensino privado pelo Estado. Também é oportuno registrar outros aspectos inovadores, a exemplo da idéia de uma escola itinerante para alfabetizar os moradores de sítios e fazendas (CE 1947, Art. 149, § 3º). Merecem registro ainda as considerações acerca de um o ensino profissional “ministrado a menores já alfabetizados, em escolas profissionais rurais (...) localizadas nos principais centros de produção agrícola, e em escolas de artes e ofícios que” seriam “criadas nas cidades de mais de cinco mil habitantes em que houvesse predominância de ocupações artesanais” (CE 1947, Art. 140). Outro aspecto peculiar ao texto cearense diz respeito ao ensino rural, quando estabelece que “as escolas típicas rurais que forem instaladas em prédios construídos mediante auxílio financeiro da União serão preenchidas de preferência, por professoras diplomadas em Escolas Normais Rurais” (CE 1947, Art. 154).
      A Constituição Estadual de 1947 traduz um momento significativo da educação no Ceará. Incorpora elementos do espírito redemocratizador que marca os anos subseqüentes ao Estado Novo, explicitando expectativas acerca do papel do Estado no campo escolar. Como os demais textos constitucionais, representa uma amostra interessante das contradições próprias da educação nacional e local.

Documentos de política educacional no Ceará: império e República/Organização: Sofia Lerche Vieira e Isabel Maria Sabino de Farias; colaboração: Delane Lima Nogueira...[et al.]. – Brasília; Instituto nacional de Estudos e pesquisas Educacionais AnísioTeixeira, 2006.

A educação na Constituição do Estado do Ceará de 1945

      A Constituição Estadual de 1945 guarda estreita sintonia com o texto federal de 1937, tendência que já se expressara em relação às cartas que lhe antecederam em âmbito nacional (1934) e local (1935). O espírito desta carta, com efeito, é tributário da Constituição do Estado Novo, onde prevalece a orientação de um Estado compensatório, voltado para o atendimento aos “mais necessitados”, como já se viu em passagem anterior deste ensaio. Tal tendência pode ser percebida textualmente no artigo que trata da “educação integral da prole” como “o primeiro dever e o direito natural dos pais”. Em tal contexto, “o Estado não será estranho a esse dever, colaborando, de maneira principal ou subsidiária, para facilitar a sua execução ou suprir as deficiências e lacunas da educação particular” (CF 1937 e CE 1945, Art. 125).
      O ensino público, nessa perspectiva exerce uma função suplementar, devendo o Estado assegurar “em conseqüência, à infância e à juventude, a que faltarem recursos necessários à educação em instituições particulares, a possibilidade de receber uma educação adequada às suas faculdades, aptidões e tendências vocacionais, fundando instituições de ensino em todos os graus” (CF 1937, Art. 129 e CE 1945, Art. 125, Parágrafo Único).
      Em termos idênticos são também tratadas questões como a obrigatoriedade e a gratuidade do ensino primário, antes discutida (CF 1937, Art. 130 e CE 1945). Coincidência semelhante não ocorre, contudo, em relação ao ensino religioso que permanece “freqüência facultativa” na Constituição Estadual (CE 1945, Art. 127).
      Assim como há dispositivos comuns entre a Constituição Federal de 1937 e a Constituição Estadual de 1945 há também aqueles que são exclusivos do texto cearense. Um deles é a isenção de tributos para “estabelecimentos particulares de educação gratuita, primária ou profissional, oficialmente considerados idôneos” (CE 1945, Art. 128). Embora tal matéria tenha figurado na Constituição Federal de 1934 (CF 1934, Art. 154), não consta da Carta Magna seguinte. Outro tema excluído da Constituição de 1937 refere-se à obrigação das empresas industriais ou agrícolas, localizadas fora dos centros escolares, com mais de cinqüenta empregados de ministrarem “a estes e a seus filhos ensino primário gratuito” (CE 1945, Art. 129).
      O cotejamento entre a Constituição Federal e a Constituição Estadual revela mais semelhanças do que diferenças entre os dois textos. Ambas refletem o clima autoritário do período que, embora no caso da carta de 1945 já esteja em vias de extinção, traduz um contexto pouco propício a uma perspectiva educacional progressista. Tal possibilidade somente se concretizará com o advento das constituições aprovadas sob a égide de um cenário político de redemocratização.

Documentos de política educacional no Ceará: império e República/Organização: Sofia Lerche Vieira e Isabel Maria Sabino de Farias; colaboração: Delane Lima Nogueira...[et al.]. – Brasília; Instituto nacional de Estudos e pesquisas Educacionais AnísioTeixeira, 2006.

A educação na Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937

      De orientação oposta ao liberal texto de 1934, a Constituição do Estado Novo, é claramente inspirada nas constituições de regimes fascistas europeus. Amplia-se a competência da União para “fixar as bases e determinar os quadros da educação nacional, traçando as diretrizes a que deve obedecer à formação física, intelectual e moral da infância e da juventude” (Art. 15, IX).
      A liberdade de ensino ou, melhor dizendo, a livre iniciativa, é objeto do primeiro artigo dedicado à educação no texto de 1937, que determina: “A arte, a ciência e o ensino são livres à iniciativa individual e à de associações ou pessoas coletivas públicas e particulares” (Art. 128). O dever do Estado para com a educação é colocado em segundo plano, sendo-lhe atribuída uma função compensatória na oferta escolar destinada à “infância e à juventude, a que faltarem os recursos necessários à educação em instituições particulares” (Art. 129). Nesse contexto, o “ensino pré-vocacional e profissional destinado às classes menos favorecidas” é compreendido como “o primeiro dever do Estado” em matéria de educação (Art. 129).
É clara a concepção da educação pública como aquela destinada aos que não puderem arcar com os custos do ensino privado. O velho preconceito contra o ensino público presente desde as origens de nossa história permanece arraigado no pensamento do legislador estadonovista.
      Sendo o ensino vocacional e profissional a prioridade, é flagrante a omissão com relação às demais modalidades de ensino. A concepção da política educacional no Estado Novo estará inteiramente orientada para o ensino profissional, para onde serão dirigidas as reformas encaminhadas por Gustavo Capanema.
À idéia de gratuidade da Constituição de 1934 o texto de 1937 contrapõe uma concepção estreita e empobrecida. Embora estabeleça que “o ensino primário é obrigatório e gratuito” (Art. 130), acrescenta no mesmo artigo o caráter parcial dessa gratuidade que, “não exclui o dever de solidariedade dos menos para com os mais necessitados; assim, por ocasião da matrícula, será exigido aos que não alegarem, ou notoriamente não puderem alegar escassez de recursos, uma contribuição módica e mensal para a caixa escolar”. A educação gratuita é, pois, a educação dos pobres.
      Também em matéria de ensino religioso a Constituição de 1937 assinala uma tendência conservadora no dispositivo que permite que este ensino se apresente como “matéria do curso ordinário das escolas primárias, normais e secundárias” muito embora não deva se “constituir objeto de obrigação dos mestres ou professores, nem de freqüência compulsória por parte dos alunos” (Art. 133). A ambigüidade do texto é óbvia, deixando margem a um facultativo, que acabou por tornar-se compulsório, em se considerando a hegemonia da religião católica sobre as demais, bem como a expressiva presença de escolas confessionais no cenário brasileiro.

Documentos de política educacional no Ceará: império e República/Organização: Sofia Lerche Vieira e Isabel Maria Sabino de Farias; colaboração: Delane Lima Nogueira...[et al.]. – Brasília; Instituto nacional de Estudos e pesquisas Educacionais AnísioTeixeira, 2006.

A educação na Constituição Política do Estado do Ceará de 1935

      A Constituição Estadual de 1935 absorve o espírito da Constituição Federal, dela incorporando diversos conteúdos. Esta sintonia é visível nos dispositivos sobre dever do Estado (CE 1935, Art. 112), direito à educação (CE 1935, Art. 149), criação de conselhos normativos para a educação (CE 1935, Art. 152), ensino religioso (CE 1935, Art. 153), vinculação de receitas (CE 1935, Art. 156), fundos de educação (CE 1935, Art. 157), ensino em língua pátria (CE 1935, Art. 150, d), concurso público como forma de ingresso no magistério oficial (CE 1935, Art. 158) e obrigação de oferta de ensino primário gratuito por empresas com mais de 50 empregados (CE 1935, Art. 120).
      O texto de 1935 destaca-se ainda por um conjunto significativo de temas que revelam peculiaridades da educação cearense. Em primeiro lugar, chama atenção a criação de “conselhos técnicos” como “órgãos autônomos em cooperação com os poderes do Estado” (CE 1935, Art. 72). Tal organização é prevista para as áreas de Assistência Social, Educação, Cultura, Ordem Econômica e Financeira.
      Outro aspecto inovador é a criação de um Departamento de Ensino Rural (CE 1935, Art. 113, Parágrafo Único) para o qual são previstos recursos financeiros (CE 1935, Art. 116, § 1°). Talvez seja por força de tal preocupação que se tenha viabilizado a criação das escolas normais rurais, cujos prédios ainda hoje integram o parque escolar estadual, a exemplo da Escola de Ensino Fundamental Moreira de Souza, em Juazeiro.
A gratuidade do ensino para alunos pobres é uma preocupação do texto de 1935. Está expressa em dispositivos relativos à destinação de parte do fundo de educação para “auxilio a alunos necessitados, mediante o fornecimento gratuito de material escolar, bolsa de estudo, assistência alimentar, dentaria e medica, e para vilegiaturas”, bem como na isenção de cobrança de “taxas e emolumentos dos estudantes provadamente pobres dos cursos primário, secundário e superior dos estabelecimentos de ensino oficial ou oficializados” (CE 1935, Art. 115, § 2º e 3°).
A atenção ao financiamento, expressa na Constituição Estadual de 1935 começa a anunciar importante definição que se explicitará em textos posteriores – o dever do Estado. Tal dimensão pode ser detectada no artigo que atribui percentuais distintos de aplicação de recursos por parte do Estado e dos Municípios, cabendo a estes aplicar 10% de suas receitas e àquele 20%. Outro aspecto referente à matéria a mencionar é que “os auxílios concedidos pelo governo do Estado e do Município aos estabelecimentos de ensino serão dados, de preferência, sob a forma de dotações destinadas a bens patrimoniais” (CE 1935, Art. 116, § 2°)
      Alguns dispositivos tratam especificamente da questão do magistério. Como se viu antes, o concurso público é matéria comum à Constituição Federal e à Estadual. Entretanto, a vitaliciedade e inamovibilidade dos professores (CE 1935, Art. 119, § 2°) é uma peculiaridade do texto cearense. Outro aspecto interessante é a intenção de preservar a estabilidade de professores também na escola particular, como se vê no requisito de que “os estabelecimentos de ensino particular, para serem reconhecidos pelo Estado, ou equiparados aos institutos oficiais, devem, durante todo o tempo do seu funcionamento, assegurar a estabilidade dos professores, que tenham mais de dois anos de serviço e proporcionar-lhes remuneração condigna, inclusive no período de férias” (CE 1935, Art. 117).
      A análise empreendida revela uma presença significativa da educação na Constituição de 1935. Esta tendência traduz uma aspiração social manifesta a partir dos anos trinta passa, quando as demandas por escolarização passam a se materializar de forma mais objetiva do que em momentos anteriores da história. É nesse cenário que o papel do Estado na oferta de serviços educacionais vai, aos poucos, tomando corpo. Texto e contexto, assim, articulam-se mutuamente, ainda que a Constituição expresse muito mais uma vontade de mudar do que a própria mudança.

Documentos de política educacional no Ceará: império e República/Organização: Sofia Lerche Vieira e Isabel Maria Sabino de Farias; colaboração: Delane Lima Nogueira...[et al.]. – Brasília; Instituto nacional de Estudos e pesquisas Educacionais AnísioTeixeira, 2006.

A educação na Constituição Política do Estado do Ceará de 1925

      É nesse contexto que vem à luz a Constituição Estadual de 1925. Para a educação não traz novidades. Apresenta praticamente os mesmos dispositivos do texto de 1921. São mantidas as atribuições da Assembléia Legislativa, permanecendo sua competência privativa para “decretar as leis e resoluções necessárias ao exercício dos poderes pertencentes ao Estado”, especialmente aquelas referentes à “instrução pública” (CE 1925, Art. 24, § 5°, f). Também estão presentes as atribuições relativas ao Município no que se refere à competência das Câmaras Municipais para “criar escolas de instrução primária e profissional, reservando para este serviço dez por cento, pelo menos, de suas rendas” (CE 1925, Art. 94, § 13). É bom lembrar que esse dispositivo antecipa o importante tema do financiamento da educação, que somente viria a ser tratado na Constituição Federal de 1934.
      A Constituição Estadual de 1925 inova ao estabelecer a competência privativa do Presidente do Estado para “fiscalizar a aplicação da parte das rendas municipais destinada à instrução pública” (CE 1925, Art. 56, § 20). No que se refere ao provimento para cargos do serviço público é mantida a excepcionalidade concedida aos “diretores de ensino” e inspetores escolares quanto à exigência de concurso público como mecanismo de ingresso (CE 1925, Art. 114, § 1o., “d” e “g”). O texto estabelece ainda que os membros do magistério primário sejam regidos por lei específica (CE 1925, Art. 115, §1°, b) e que os professores do ensino superior ou secundário são vitalícios (CE 1925, Art. 115, §1°, c).
       A análise do texto de 1925 permite constatar o distanciamento entre os dispositivos constitucionais e as medidas que vinham sendo adotadas através da Reforma de 1922. Percebe-se, assim, um sensível descompasso entre o Legislativo e o Executivo.

Documentos de política educacional no Ceará: império e República/Organização: Sofia Lerche Vieira e Isabel Maria Sabino de Farias; colaboração: Delane Lima Nogueira...[et al.]. – Brasília; Instituto nacional de Estudos e pesquisas Educacionais AnísioTeixeira, 2006.

A educação na Constituição Política do Estado do Ceará de 1921

      A educação é matéria incipiente na Constituição Estadual de 1921. As atribuições da Assembléia Legislativa são mantidas, sendo sua competência privativa “decretar as leis e resoluções necessárias ao exercício dos poderes pertencentes ao Estado”, especialmente aquelas referentes à “instrução pública” (CE 1921, Art. 24, f). Uma novidade é o estabelecimento de atribuições relativas ao Município, sendo definida como competências das Câmaras Municipais “criar escolas de instrução primária e profissional, reservando para este serviço dez por cento, pelo menos, de suas rendas” (CE 1921, Art. 94, § 13). Tal dispositivo, retomado na Constituição Estadual de 1925, anteciparia o importante tema do financiamento da educação, que somente viria a ser tratado na Constituição Federal de 1934.
      Os demais artigos referentes à educação na Constituição Estadual de 1921 repetem assuntos tratados em textos anteriores: a proibição do voto aos analfabetos (CE 1921, Art. 107, § 1o.) e a excepcionalidade concedida aos “diretores de ensino” no que se refere à exigência de concurso público como mecanismo de ingresso ao serviço público (Ce 1921, Art. 114, § 1o.).
      Em termos de conteúdos relativos à educação, a Constituição Estadual de 1921 encontra-se aquém de outros instrumentos legais concebidos no período, a exemplo do Regulamento da Instrução Primária do Estado do Ceará (1905) e do Regimento Interno das Escolas Públicas do Ensino Primário (1915), que preparam o terreno para as reformas que irão ser propostas nos anos subseqüentes. Configura-se, assim, um hiato entre o Legislativo e as mudanças que começam a se manifestar no Ceará.

Documentos de política educacional no Ceará: império e República/Organização: Sofia Lerche Vieira e Isabel Maria Sabino de Farias; colaboração: Delane Lima Nogueira...[et al.]. – Brasília; Instituto nacional de Estudos e pesquisas Educacionais AnísioTeixeira, 2006.

A educação na Constituição do Estado do Ceará de 1892

       A Constituição Estadual de 1892 praticamente repete o conteúdo do texto anterior referente à educação. É mantida a atribuição do Congresso para legislar sobre a instrução pública (CF 1892, Art. 29, Inc. 5o.). Diferentemente do texto de 1891, a Carta de 1892 não especifica se esta competência refere-se a “todos os graus” da instrução pública.
       Uma novidade do texto de 1892 diz respeito à vitaliciedade do magistério primário e secundário. Com efeito, trata-se de privilégio que se estende a outras áreas, como a magistratura e a justiça e que já estava em vigor antes da aprovação da matéria, como é possível depreender do artigo que trata do assunto: "continua garantido, em sua plenitude, o direito de vitaliciedade dos magistrados, professores primários e secundários e serventuários da justiça, além do caso do artigo 72" (CE 1892, Art. 133 – Grifo nosso).
       Em termos semelhantes à Carta de 1891 em relação à admissão de servidores públicos por concurso para a primeira nomeação (CE 1891, Art. 97), a Constituição Estadual de 1892 posiciona-se pelo mesmo procedimento, mas faz do provimento de diretores de instrução pública e da Escola Normal uma exceção à regra, ao lado de outros cargos (CE 1892, Art. 150).
A Constituição de 1892 retoma dois importantes temas já tratados na Constituição Estadual de 1891: a liberdade de ensinar e aprender (CE 1892, Art. 144) e a gratuidade da instrução primária (CE 1892, Art. 132). É oportuno mencionar algumas diferenças entre o tratamento desses conteúdos nas constituições em foco. O texto de 1892 traz importante acréscimo no que se refere à gratuidade da instrução primária, a ela incorporando "o ensino elementar das artes e ofícios".
       No que se refere ao tratamento dispensado à liberdade de ensino, tema já abordado em nosso ensaio sobre o texto de 1891 (Ver: Constituição Estadual de 1891, desta coleção) há também algo de novo a notar. Aqui, diferentemente do que se vê na Carta Magna anterior, não se fala apenas na liberdade de ensinar, mas também de aprender, como se vê na passagem que dispõe sobre o assunto: "É garantida a liberdade de aprender e ensinar, sem ofensas à moral e sem prejuízo da segurança e higiene pública" (CE 1892, Art. 144). Sobre o possível caráter inusitado dos termos associados à "liberdade de ensino", vale lembrar a importância de ter uma compreensão histórica da questão. Articular educação à moral, segurança e higiene não é algo estranho ao contexto da época.
      Como se pode verificar, embora a Constituição de 1892 não chegue a dispensar uma atenção especial à educação, os artigos nela inscritos evidenciam a relevância dos mesmos para o período, mostrando seu significado histórico para a educação no Brasil e no Ceará.
Documentos de política educacional no Ceará: império e República/Organização: Sofia Lerche Vieira e Isabel Maria Sabino de Farias; colaboração: Delane Lima Nogueira...[et al.]. – Brasília; Instituto nacional de Estudos e pesquisas Educacionais AnísioTeixeira, 2006.

A educação na Constituição do Estado do Ceará de 1891

                    A Constituição Estadual de 1891 apresenta cinco dispositivos que tratam direta ou indiretamente da educação. É definida como atribuição do Congresso “legislar sobre a instrução pública em todos os seus graus” (CE 1891, Art. 19, § 11). O direito do voto é assegurado apenas àqueles que sabem ler e escrever (CE 1891, Art. 73). Do mesmo modo, o alistamento de estrangeiros para participar das eleições municipais é restrito aos que saibam ler e escrever (CE 1891, Art. 76). São também abordados os temas da liberdade de ensino (CE 1891, Art. 85, § 4º.) e da gratuidade (CE 1891, Art. 95), princípios que estiveram presentes em praticamente todas as constituições republicanas. O tema da “liberdade de ensino”, de conotação histórica ímpar para a educação brasileira, é elemento chave na compreensão da legislação nacional e local.
                          Essa expressão aparentemente singela traduziu ao longo do tempo uma das grandes antinomias da educação4 – o conflito entre o público e o privado. Seu ápice se expressou na polêmica travada entre publicistas e privatistas a partir da Constituição de 1946, prolongando-se pelas décadas seguintes do século XX, através do debate em torno da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei N° 4.024/61).
                                Face ao exposto, há de se supor que a “liberdade de ensino” referida na Constituição Estadual de 1891 reporta-se ao direito da oferta de ensino privado. É interessante notar que o tema é tratado em um contexto mais amplo uma vez que o artigo fala de “liberdade profissional e de ensino, sem ofensa à moral e sem prejuízo da segurança e higiene pública” (CE 1891, Art. 85, § 4º. Grifo nosso). Aqui, cabe assinalar uma característica da época, onde o tema aparece associado à moral, à segurança e à higiene.
                       Quanto à questão da gratuidade, assim como já visto em relação à liberdade de ensino, trata-se de um tema recorrente na política educacional brasileira. Assim, seu aparecimento na Constituição Estadual de 1891 não surpreende. A primeira Constituição Federal, de 1824, já afirmara que “a instrução primária” seria “gratuita a todos os cidadãos” (CF 1824, Art. 179, Inc. XXXII), matéria sobre a qual a Constituição Federal de 1891 silencia. Não cabe aqui analisar a distância entre proclamar e realizar, mas vale mencionar que a promessa de gratuidade não é absoluta. A matéria restringe-se à educação primária e sob as “condições e pelo modo que a lei estabelecer” (CF 1824, Art. 95). Ou seja, trata-se de uma afirmação que necessitaria ser regulamentada por lei complementar.
                          É verdade que a Constituição de 1891 não chega a ser pródiga em termos de quantidade de artigos apresentados. Abre caminho, entretanto, para identificar a presença de temas de grande relevância para a educação em nosso país como a liberdade de ensino e a gratuidade. Por isso mesmo é oportuno conhecê-la e aprofundá-la.

4 LUZURIAGA, Lorenzo (1960). Diccionario de pedagogía. Buenos Aires: Editorial Losada S.A.

By Coleção Documentos da educação Brasileira (Sofia LercheVieira e Isabel Maria Sabino de Farias